Fazenda São Bento: a 1ª leiteria da América Latina a conquistar a certificação Certified Humane
A Fazenda São Bento foi a primeira operação com leite na América Latina agraciada com a certificação “Certified Humane” em 2015. O selo equivale ao Freedom Foods da RSPCA (Sociedade Real para Prevenção de Crueldade aos Animais), conhecido tradicionalmente na Europa. Obter a ISO 14000 e verticalizar o processo de produção são as metas finais da empresa. Outras normas que visam qualidade da produção, transparência e impactos também estão no radar.
Entendendo a extrema importância do bem-estar animal para a produção leiteira, o MilkPoint lançou no mês passado o Especial Bem-Estar Animal. E qual é a ideia principal? Compartilhar experiências de fazendas que tiveram sucesso utilizando técnicas para promover o maior conforto de seus rebanhos. A segunda edição foi elaborada com a Fazenda São Bento, localizada na região do Vale do Paraíba no Sudeste do Brasil. Para saber detalhes sobre a propriedade, falamos com Sérgio Ely V.G. de A. Costa, CEO da MEQ e Matheus Delavald, COO da MEQ.
História da Fazenda São Bento
A Fazenda São Bento está localizada na região do Vale do Paraíba no Sudeste do Brasil. Sua história começou aproximadamente 50 anos atrás quando Francisco José de Andrade Costa (avô do Sérgio) comprou 700 hectares na cidade de Cachoeira Paulista (São Paulo) na beira da Via Dutra (rodovia que liga São Paulo ao Rio de Janeiro). No início de 1960 o governo brasileiro desapropriou em torno de 80% da área da fazenda para estabelecer o Instituto Nacional De Pesquisas Espaciais (CPTEC/INPE) e por conta disso, em torno de 550 hectares foram perdidos, justamente nos locais nos quais Francisco tinha realizado algumas benfeitorias.
Tal situação gerou um desânimo no fazendeiro. No entanto, seu filho Danilo de Andrade Costa, junto com sua esposa Dulce Maria Valadão Cardoso (pais de Sérgio), mantiveram as esperanças e iniciaram a reconstrução da Fazenda São Bento, diante de um cenário semelhante ao qual Francisco havia iniciado o seu projeto. A fazenda continuou diversificando as atividades, no entanto, o maior foco ficou para a produção de leite, melhorando a genética do rebanho (especialmente vacas da raça Gir com linhagem Everest um dos touros da raça conhecidos pela produção de leite).
Posteriormente, Danilo utilizou genética de gado Holandês nas vacas Gir, formando o gado Girolando. O Holandês Frísio uma linhagem de menor porte, maior rusticidade foi a base genética utilizada na formação do gado Girolando.
A transformação: qualidade com ética
Em 2009, a sucessão de Danilo para Sérgio na administração da fazenda foi efetuada. Sérgio que iniciou o curso em Agronomia em 2002, se formou em 2007. Posteriormente, quando assumiu o negócio, ele se tornou mestre em 2009 dando início a uma nova era, focando em educar jovens técnicos, melhorar a genética do rebanho, aprimorar a gestão da fazenda (maquinários agrícolas e ordenha, e outra ferramentas) e, em especial, focar em um plano estratégico de longo prazo. Com o apoio do médico veterinário, mestre em nutrição de ruminantes e grande amigo de Sérgio, João Luiz, foi elaborado um novo projeto, objetivando um aumento na produção leiteira. Também, foi preconizado:
- Aumento da produtividade por animal de 9 para 17 litros;
- Melhoria da qualidade do leite (Contagem Bacteriana Total inferior a 5.000 e Contagem de Células Somáticas inferior a 200.000);
- Obtenção de certificações abordando o princípio de ‘qualidade com ética’.
A ideia é que a estratégia transforme a fazenda em uma empresa competitiva economicamente, conscientizada com o meio ambiente, o bem-estar animal e social. Tal filosofia é embasada no princípio da “qualidade com ética”.
Em entrevista exclusiva ao MilkPoint, Sérgio e Matheus destacaram que a São Bento é a primeira fazenda leiteira da América Latina a conquistar, há aproximadamente quatro anos, a certificação de bem-estar animal Certified Humane, empresa americana que atua no Brasil principalmente com aves e suínos.
“Além do foco nos animais, nosso projeto visa também o foco nas pessoas. Nossa fazenda inclusive possui um programa para técnicos e alunos a fim de que os mesmos conheçam as áreas da empresa e seus setores. Assim, conseguimos recrutar talentos. Nós realizamos recentemente uma transição por meio de uma equipe nova, e com uma mentalidade flexível, e, com isso, viabilizamos a padronização da qualidade, o bem-estar dos animais, entre outros. Acredito muito que o perfil do produtor influência no futuro da atividade, pois abrange questões como sucessão familiar, gestão e novas ideias”, disse Matheus.
Hoje a fazenda tem 240 animais em lactação e são produzidos 4 mil litros/leite/dia, sendo que o projeto final atingirá uma produção diária de 10 mil litros. Esta expansão será realizada mediante a construção de um free-stall, qual atenderá todas exigências da certificadora do bem-estar animal. Segundo Matheus, o objetivo é ter animais 100% Jersey e no momento, vem ocorrendo essa transição já que o rebanho é composto ainda por animais da raça Girolando.
“Nossos animais ficam praticamente sete meses do ano em pastejo rotacionado com irrigação e acréscimo de concentrado. Nos outros cinco meses, o gado permanece confinado com silagem de milho e ração total. Vale frisar que o nosso confinamento fica a céu aberto e temos uma imensa preocupação com sombras e espaço livre”, explicou Delavald.
Bem-estar animal na prática
Sérgio diz com orgulho que o ‘arroz com feijão’ sempre foi feito e a fazenda sempre respeitou o uso de antibióticos. Também, não abrem mão de água tratada e clorada para os animais, há respeito com relação aos espaços de cochos, entre outros. Existe uma extrema preocupação com detalhes, por exemplo: para evitar barro no cocho, ele é calçado.
“Nossa filosofia sempre passou bem longe de bater nos animais, isso faz parte da nossa cultura. Nossa maior busca não é leite por animal, mas sim, longevidade. Queremos eles mais tempo produtivos na propriedade e sempre preconizaremos as pastagens”, diz.
Para que toda a equipe esteja alinhada com os princípios estabelecidos, treinamentos são realizados preconizando manejos como a aplicação ideal de medicamentos, ordenha, segurança do trabalho e reciclagem, ações que refletem diretamente no bem-estar. “Todo mundo precisa entender muito bem o manejo que está sendo executado e para isso, a equipe precisa ter conhecimento para atuar e estar motivada”.
O proprietário contou que um dos pontos importantes e que vale reforçar é que antes, nas casinhas individuais de bezerras, os animais ficavam presos por meio de correntes e agora não mais. “Retiramos a corrente e adaptamos a casinha. Agora, ela está parecendo uma baia com uma casinha dentro. É individual também, porém, o animal fica solto lá dentro. Foi uma pequena adaptação que fizemos e que mostrou ótimos resultados. No geral, como disse anteriormente, não foi difícil nós nos enquadrarmos na certificação já que várias ações já fazíamos. A mão de obra influencia muito, são necessárias pessoas de qualidade para consequentemente, obtermos um manejo adequado. Aqui na propriedade, sentimos um impacto maior na recria, pois percebemos menos estresse e maior ganho de peso”, completou Sérgio, que explicou que para a manutenção do selo da certificadora, é realizada uma auditoria anual, o que faz com que todos os envolvidos se movimentem o tempo todo a fim de melhorias contínuas.
A recria na fazenda ocorre em sistema de confinamento. Bezerras até o desmame ficam em baias individuais e a meta para a idade ao primeiro parto é entre 24 e 26 meses. Entre 21 e 30 dias antes do parto os animais são transferidos para o confinamento pré-parto onde há uma divisão entre primíparas e multíparas.
A saúde do rebanho é manejada de acordo com um calendário profilático montado pelo médico veterinário da empresa, objetivando obter certificação de rebanho livre de vacinação para tuberculose e brucelose e controle das demais doenças. Todas as instalações são higienizadas e desinfetadas buscando manter as condições para o bem-estar dos animais. O calendário profilático também permite o controle de ecto e endoparasitas e toda a água fornecida aos animais e colaboradores passa por um sistema de filtração cloração.
Origem da MEQ (Milk, Education and Quality)
Devido ao crescimento da empresa e a demanda por uma gestão administrativa melhor, em 2014, a empresa contratou Matheus Delavald (COO), formado em ciências contábeis. Matheus, focou sua dissertação de mestrado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) no processo de verticalização na fazenda São Bento. Assim, conhecimento, tempo e energia foram investidos na mudança da filosofia de produção e cultura da empresa. Surgiu então a MEQ, sigla em inglês para “leite, educação e qualidade”!
A MEQ possui a missão de produzir alimentos com excelência a partir de um sistema de manejo socioeconômico e ambiental que viabiliza o desenvolvimento contínuo do negócio e a visão de tornar-se referência no mercado mundial de produção de alimentos com produção certificada e baixo impacto ambiental.
Embora ainda seja incomum nas fazendas com pecuária leiteira no Brasil, a MEQ acredita que o foco na obtenção de leite de alta qualidade deve anteceder o aumento no volume produzido. Assim, o treinamento, o preparo e o suporte da equipe da fazenda são cruciais para tal objetivo no longo prazo. Tal capacitação viabiliza os colaboradores a se tornarem proativos, prontos para tomar decisões e trabalho em equipe e – quando necessário – delegar funções.
Desta forma, a empresa, criou um programa de trainee, para que, no longo prazo, pudesse montar uma equipe jovem, comprometida e qualificada e, ao mesmo tempo, encurtar a distância existente entre as instituições de ensino rural e o produtor de alimentos. A prioridade em formar pessoas, viabiliza a formação de jovens com perfil e condições as quais permitem que os mesmos entendam a visão da fazenda como empresa.
Um exemplo desta crença está na preparação e transformação de ex-trainees em colaboradores incluindo técnicos agropecuários e outros alunos com formação em ciências agrárias que estão construindo suas carreiras na empresa.
Metas e desafios futuros
Uma das metas da São Bento é, futuramente, verticalizar a produção a fim de agregar valor ao leite e criar uma marca própria. A ideia inicial é que seja um laticínio premium como foco na produção de queijos artesanais maturados. “Nosso objetivo é trazer o consumidor para dentro da fazenda a fim de que ele conheça o nosso manejo. Almejamos isso com segurança porque trabalhamos com a máxima transparência. Também, queremos uma equipe engajada, qualificada e que enxerga um futuro dentro da propriedade”, concluíram Sérgio e Matheus.
*Este conteúdo é de autoria da Milk Point, que abordou o nosso cliente certificado Fazenda São Bento no Especial Bem-Estar Animal. O conteúdo está publicado originalmente aqui.
Publicado em 19 dezembro de 2018